A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) acaba de publicar, por meio do Departamento Científico de Saúde Escolar, o documento científico “Repercussões do isolamento social na aprendizagem e no comportamento dos estudantes: desafios a enfrentar”. A publicação analisa como a pandemia do novo coronavírus tem agravado problemas que já permeavam a questão do ensino, levando em conta as graves desigualdades sociais do Brasil. O documento revela que quase 40% dos alunos da rede pública não tiveram acesso às aulas por ensino remoto, sendo este o principal meio de aprendizagem durante o período de isolamento social.
No texto, os pediatras destacam que o tempo e a forma de implantação desta modalidade não foram uniformes nos diferentes estados e municípios do País e entre escolas públicas e privadas. Em 14 das 27 capitais brasileiras, os alunos tiveram 35 dias ou mais sem atividade remota e, em alguns casos, a demora para implantação foi de até quatro meses.
“Vale destacar que mais de 80% dos alunos do ensino fundamental e do ensino médio estão matriculados na rede pública. E, de acordo com a prova do Programa Internacional de Avaliação de Alunos/PISA 2018 (alunos com 15 anos de idade), 35% dos estudantes brasileiros estudavam em escolas com estrutura deficiente ou inadequada”, apontam os especialistas.
O material ressalta, ainda, as dificuldades enfrentadas pelas famílias no ensino remoto, principalmente aquelas com maior vulnerabilidade social. Algumas contam com apenas um ponto de acesso de internet, em muitos casos via celular; e os pais ou responsáveis, muitas vezes, não conseguem ajudar os filhos, por não dominarem os conteúdos programáticos ou por necessitarem estar ausentes para buscar trabalho.
A SBP enfatiza que, ao analisar as repercussões do isolamento na aprendizagem, é necessário levar em conta a situação anterior à pandemia, as condições de implantação do ensino remoto e o contexto familiar. A entidade acredita que os aspectos cognitivos sofrerão considerável impacto negativo, com perda de conhecimentos e habilidades acadêmicas já adquiridas anteriormente. E isto será ainda mais acentuado entre crianças e adolescentes que já viviam em situação de vulnerabilidade social e aquelas que apresentam algum tipo de deficiência.
Neste cenário, avaliam a SBP, nenhuma região do País alcançou o número mínimo de horas/aula previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o que ocasionará algum grau de perda educacional para todos os alunos. Porém, aqueles que contam com apoio dos pais, vivem em um ambiente familiar tranquilo para estudar e têm acesso a livros didáticos e computador próprio com boa conectividade terão condições favoráveis ao aprendizado, mesmo sem o ensino presencial.
PESQUISA NACIONAL – Visando, ainda, compreender as possíveis repercussões no comportamento, a SBP realizou uma pesquisa com 951 pediatras e que apontou que oito em cada 10 crianças apresentaram, de acordo com relato dos pais, alterações comportamentais durante o isolamento social. A entidade alerta que crianças e adolescentes que apresentam sinais/sintomas de tristeza, apatia, irritabilidade e agressividade, entre outros, se não tiverem a devida atenção e cuidado, poderão evoluir para quadros de depressão e transtornos mais graves.
Além das repercussões citadas, o documento indica ainda o aumento dos casos de maus tratos e violências (física, psicológica e sexual); de acidentes domésticos; e, na ausência dos pais, o perigo da migração para as ruas, onde ficam expostos a diversos riscos.
A SBP acredita que a escola tem papel fundamental para a proteção das crianças e adolescentes, sendo um local onde podem ser observadas mudanças de comportamentos, além de sinais sugestivos de violência e depressão, possibilitando a orientação das famílias ou a notificação de alguns casos aos Conselhos Tutelares. Também analisa que as escolas precisarão se preparar para enfrentar os novos desafios, definindo estratégias adequadas para compensar o retrocesso na aprendizagem e a acentuação das desigualdades entre os alunos.